Nota sobre as eleições no Brasil

Com o resultado das eleições, muitos católicos têm demonstrando perplexidade, falta de coragem, cansaço na batalha. Uma certa tristeza é natural, mas não pode ser uma tristeza ruim, que nos leva ao abatimento da alma, que nos faz perder a confiança em Deus ou que nos impede muitas vezes de fazer o bem que podemos e devemos fazer aqui e agora. Diante de tudo isso, é bom considerar ou reconsiderar algumas verdades importantes.

  1. É Deus que, com sua divina providência, dispõe todas as coisas, com suavidade e força (Sab. VIII, 1). É Deus que ordena toda a criação para o seu devido fim, que é a glória dEle. Todas as coisas estão sob a providência divina, mesmo os males que advém das pobres criaturas finitas. Males particulares que Deus permite para tirar deles bens superiores. São Tomás diz muito oportunamente: “Se, com efeito, todo mal fosse impedido, muitos bens faltariam ao universo. De fato, não haveria vida para o leão, se não houvesse a morte de outros animais. Não haveria a paciência dos mártires se não houvesse a perseguição dos tiranos” (Suma Teológica I, q.22, art. 2, ad 2um). As criaturas, não sendo ato puro, estão sujeitas a defeitos e males. A grandeza da bondade e da onipotência divina está exatamente em tirar desses males, um bem. Deus permite, então, os males para que, de alguma forma, as suas perfeições possam ser mais perfeitamente expressas, a partir do bem que deles tira. Do pecado original, ele tirou a Encarnação do Verbo, para manifestar de modo mais excelente a sua caridade, a sua misericórdia, a sua sabedoria, a sua providência. De um país submetido a um governo péssimo, ele quer tirar santos e mártires (com a vida mesmo ou ao menos com a disposição de alma para tal), que combatam pelo reinado de Cristo nas almas e nas sociedades. Tudo está submetido à providência divina. Aquele que busca seguir Nosso Senhor Jesus Cristo é o que se conforma a Deus, procurando tirar dos males um bem. Assim, tudo cooperará, efetivamente para o bem do justo (Rom. VIII, 28), que nos bens e nos males encontrará meio para sua santificação e para estender o reino de Cristo. Portanto, é preciso ter confiança na providência divina e saber tirar dos males um bem.
  2. Atualmente, nas eleições se busca quase sempre o menos pior. Nessa eleição presidencial, não era diferente. Qualquer que fosse o vencedor, seriam atacados os princípios da lei natural e da Revelação com graus distintos, com viés e velocidades distintos. Venceu o “mais” pior. A reeleição da candidata não deve nos levar ao desespero. A eleição do candidato não deveria nos fazer crer que tudo fosse ser resolvido. É preciso, então, saber tirar disso um bem maior: o bom e árduo combate por Jesus Cristo Rei e sua Igreja feito com maior afinco, que vai permitir nossa santificação, de nossos familiares e de nossos próximos. A grandes males são necessários grandes heróis, ainda que anônimos e com as pequenas obras santas do dia-a-dia.
  3. A solução para os problemas da sociedade não é natural. Assim, a solução não é primeiramente filosófica, não é política, não é social nem econômica. Uma solução natural pode resolver o problema por um curto período de tempo. Todavia, o homem caído não pode, sem o auxílio da graça, guardar coletivamente e por muito tempo todos os preceitos da lei natural. A solução deve ser religiosa. É preciso de uma restauração na ordem sobrenatural, também porque a finalidade última do homem é o céu, é a contemplação face-a-face da Santíssima Trindade e não uma vida imperfeitamente feliz aqui nesse mundo. Essa restauração da sociedade só pode ser feita com a sociedade reconhecendo e se submetendo a Deus tal como ele se revelou. A sociedade pagã da antiguidade não mudou por causa de filósofos ou políticos, mas pela ação da Igreja, que foi, via de regra, paulatinamente convertendo indivíduos e, por eles, as instituições, e influenciando a política.
  4. Isso nos leva, então, à Igreja Católica. De maneira análoga, pode-se dizer que a teologia eleva e aperfeiçoa a filosofia, a graça eleva e aperfeiçoa a natureza, a Igreja eleva e aperfeiçoa o Estado. Cada elemento desses pares é realmente distinto do outro, mas eles devem estar unidos (sem se confundirem), se se deseja uma verdadeira perfeição. Sem os limites impostos pela teologia, a filosofia cai facilmente em erros. Sem a graça, nossa natureza sucumbe a todo tipo de desordem. Sem a Igreja, o Estado tende ao caos e à morte. As sociedades que se fundam sobre princípios falsíssimos de uma legislação atéia ou agnóstica tendem à morte. Nelas, os indivíduos ainda podem se salvar, pelo auxílio da graça, mas as sociedades enquanto sociedades tendem à morte porque o erro em que estão fundadas mata, como um câncer mortal destrói progressivamente nosso organismo.
  5. Todavia, para que a Igreja possa exercer seu influxo salutar sobre a sociedade civil, é preciso que seus membros estejam sãos. E está aqui o grande problema atual: a crise na própria Igreja. Antes de tudo, uma crise de fé que tem origem naquele erro que é o esgoto coletor de todas as heresias, o modernismo. E, como consequência da crise de fé, uma crise também moral. Por isso, está assim a sociedade. Para mudá-la, é preciso que os membros da Igreja tenham uma fé profunda, se submetendo realmente aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos chegam pela Tradição e pela Sagrada Escritura. Os membros da Igreja devem buscar a salvação das almas e também o reinado social de Cristo sobre as sociedades. Leão XIII diz claramente o seguinte: “quando um organismo se corrompe e perece é porque ele deixou de estar sob o efeito das causas que lhe deram forma e constituição. Para fazer esse organismo saudável e florescente de novo, é necessário colocá-lo sob a influência vivificante das mesmas causas de antes. A sociedade, no seu esforço de escapar de Deus, rejeitou a ordem sobrenatural e a Revelação divina. A sociedade colocou-se fora da influência do cristianismo, que é manifestamente a mais sólida garantia de ordem, o mais forte vínculo fraterno entre as pessoas, a fonte inesgotável de toda virtude, pública e privada. Esse sacrílego divórcio – entre o Estado e a Igreja – trouxe ao mundo os problemas que agora o perturbam. Assim, é sob a órbita da Igreja que essa sociedade perdida deve entrar se ela deseja possuir novamente o seu bem, o seu repouso e a sua salvação.” (Carta Apostólica do 19 de março de 1902). É preciso que a hierarquia da Igreja deseje isso.
  6. Não deve, porém, haver dúvidas de que os pecados cometidos por uma sociedade como tal serão também expiados pela sociedade. O indivíduo pode expiar pelos seus pecados ainda nessa vida ou na próxima, seja no purgatório, seja no inferno. A sociedade como tal só pode expiar aqui nesse mundo e ela deverá fazê-lo, por justiça. Pelo pecado se ofende a Deus, e é pelo castigo, pela pena que a justiça é restabelecida. Em que medida e como, a sabedoria divina determina. Com essa eleição do pior, somada a todos os pecados de nossa nação, deveremos estar prontos para os castigos divinos. O pior deles ocorre quando Deus nos abandona à nossa própria malícia. O maior castigo para o Brasil seria que Deus o abandonasse completamente à sua própria cegueira, às suas próprias leis iníquas. É preciso reparar também por nosso país enquanto pudermos e pedir a misericórdia divina, rogando a intercessão de Nossa Senhora. Lembremo-nos do que já foi dito acima. É Deus que, com sua divina providência, dispõe todas as coisas, com suavidade e força. É Deus que ordena toda a criação para o seu devido fim, que é a glória dEle. Todas as coisas estão sob a providência divina, mesmo os males que advêm das pobres criaturas finitas. Males particulares que Deus permite para tirar deles bens superiores. Lembremo-nos também das palavras de Nosso Senhor: “tende confiança, eu venci o mundo” (Jo. XVI, 33).

Padre Daniel Pinheiro, IBP.