Algumas considerações sobre as manifestações que têm ocorrido pelo Brasil
1. Algumas palavras sobre as manifestações. A primeira observação é que o ser humano deve sempre agir em vista de um fim, de um objetivo conhecido. Agir sem ter um fim preciso em mente é algo irracional. Essas manifestações não têm um objetivo estabelecido, definido. Tudo é muito difuso. Qual é o objetivo principal dessas manifestações? Uma manifestação que não tem um objetivo preciso é irracional e, como tal, é normal que degenere em violência, pois as pessoas são movidas mais pelas paixões desordenadas do que pela razão. Portanto, a violência dessas manifestações encontra a sua causa não em uma minoria, mas na própria natureza das manifestações, no seu caráter irracional. Mesmo que a manifestação tivesse um objetivo claramente bom, haveria outros ruins, sem dúvida. Nesse caso, seria preciso se desvincular dos objetivos ruins para apoiar somente os bons, o que me parece francamente impossível. Primeiro problema das manifestações: a falta de um objetivo claro e de um objetivo claro que seja bom. (Atualização: cada vez a finalidade tem ficado mais clara, com a mesma agenda socializante de sempre.)
2. O segundo problema das manifestações é a causa eficiente. Quem move essas manifestações? Qual é o motor delas? Ora, quando uma coisa age sem conhecer seu fim, ela é impulsionada por alguém que conhece o fim dela, pois todo ser age em vista de um fim (omnes agens agit propter finem). Os seres irracionais agem instintivamente movidos por Deus, em última instância. Essa massa que age é impulsionada por quem? Qual é a causa? A união pelas redes sociais em vista de um país melhor? Mas quem diz o que é um país melhor? É quase impossível ter um movimento sem ter uma causa eficiente e sem ter uma causa final. Se não tem uma causa, deixa de ser um movimento, que é sempre algo ordenado, e passa a ser o caos. É claro que o caos não pode ser bom e é claro que do caos, enquanto tal, não pode vir algo bom, a ordem. (Atualização: certos líderes têm aparecido e são líderes de subgrupos com ideologia socialista ou comunista em seus diversos matizes, o que é inconciliável com a doutrina católica.)
3. O terceiro problema das manifestações é o meio e o modo como são feitas. Não basta ter uma boa causa que move as pessoas para um bom fim. É preciso que haja também meios bons e nunca meios ilícitos, pois os fins não justificam os meios. Os meios dessas manifestações têm sido, em muitos casos, a sedição, ou insurreição, ou motim, formando bandos no seio da nação que promovem tumultos, que dificilmente alcançarão um resultado prático (além dos 20 centavos na passagem de ônibus), mas levam a grandes transtornos e perturbações na sociedade. E fazem tudo isso sem um objetivo claro.
4. O quarto problema é que se não há um objetivo claro desde o início, alguém termina criando um objetivo. Aqueles que têm influência suficiente para impor uma finalidade a essas manifestações não têm, digamos, princípios católicos, e não têm nem mesmo princípios baseados na lei natural. Quando se lê, nos meios de comunicação, a pauta das reivindicações, sempre está expressa a oposição ao estatuto do nascituro – estatuto que, diga-se de passagem, está longe de ser o que deveria ser em favor dos seres humanos ainda não nascidos – e está expresso o apoio à união civil dos homossexuais e a medidas de tendência socializante. Essa é realmente a pauta das manifestações? Não sei. Mas a mídia e o governo vão agir como se fosse.
5. Não custa nada lembrar um fato interessante da História. Trata-se da tomada dos estados pontifícios no século XIX por parte do Piemonte, a fim de unificar a Itália, tirando o poder temporal do Papa sobre os estados Pontifícios, visando à diminuição do seu poder e influência espirituais. A tática usada pelos inimigos da Igreja era provocar revoltas e confusões dentro dos estados pontifícios. Sob o pretexto de que o poder papal não conseguia controlar essas revoltas, as tropas do Piemonte vinham “ajudar” o Papa. Sob o pretexto de ajudar o Papa a controlar essas revoltas e impedir futuras revoltas, as tropas ficavam no território pontifício e anexavam esse território. Mas, claro, o Piemonte fazia tudo isso para ajudar o Papa, não? O Piemonte provocava o tumulto, por meio de seus aliados nos estados Pontifícios e o mesmo Piemonte pacificava as revoltas ocupando os estados do Papa. Portanto, nada impede que as manifestações estejam sendo provocadas pelos mesmos que vão pacificá-la, eventualmente com medidas ainda mais socializantes e preocupantes para a nossa sociedade.
6. Dito isso, é útil ao bem comum que as leis e determinações da autoridade que são prejudiciais ao bem comum sejam denunciadas pelos cidadãos. É justo e razoável que os cidadãos honrados, preocupados com o bem do país, possam expressar seu desejo de que as instituições melhorem, de que tal lei seja revogada, de que tal lei seja aprovada, etc. Para que o exercício desse direito natural de crítica ou de manifestação seja justo, é preciso, porém, que se mantenha sempre a obediência ao poder constituído e que se respeite devidamente a sua legítima autoridade. Lembrando que, quando a autoridade nos manda fazer algo contra a lei de Deus ou contra a lei natural, temos obrigação de resistir e de desobedecer, pois nesse (ver a respeito aqui) caso ela não exerce legitimamente a autoridade que possui. O essencial é rezar, é se instruir na doutrina católica, é fazer penitência, mas muitas vezes é preciso também agir. Não vem nem ao caso falar da possibilidade de uma legítima luta armada (Royo Marín, Teologia Moral papa Seglares, I, p. 865, ano 1957) na situação concreta em que vivemos. Em certas condições ela pode ser legítima – como no caso dos Cristeros – e até obrigatória.
7. Seria preciso fazer manifestações com meios e objetivos bons e claros, a favor da proteção da vida do ser humano desde a sua concepção, contra a união homossexual, etc. Um simples abaixo assinado, organizado pelas autoridades religiosas em todas as Paróquias do Brasil, contra o aborto, contra o casamento homossexual, seria já um duríssimo golpe na cultura de morte em nosso país e na decadência moral em que vivemos. Seriam milhões e milhões de assinaturas.
8. Um fato curioso. Na França, país em que reina o ateísmo e a mentalidade revolucionária, conseguiram levar um milhão e meio de pessoas para a rua contra o casamento homossexual. O movimento da França estava longe de ser o ideal, mas foi algo bom, sem dúvida. Uma outra vez levaram em torno de um milhão e em outra mais de 500 mil. Tudo isso em menos de seis meses. Nós, que somos o maior país católico, não conseguimos chegar nem perto disso. A França tem 65 milhões de habitantes. Reúnem-se 1,5 milhão em Paris contra o casamento homossexual. Uma minoria, condenada pela liderança do movimento, entra em confronto com a polícia, mas não quebra nada, não saqueia nada. Para a imprensa mundial e para o governo de lá, trata-se não de um movimento democrático, mas fascista, de um movimento violento. Na manifestação, havia crianças de colo, em carrinho de bebê, muitos dos quais receberam spray de pimenta. O governo francês não só não muda sua posição como vai em frente a aprova o casamento homossexual. O Brasil tem 200 milhões de habitantes. 1 milhão, 1,5 milhão saem às ruas por todo o Brasil. Em muitas das manifestações, há conflito com a polícia, há depredação, há saques, há vandalismo. Para a imprensa e o governo trata-se de um movimento democrático, em que uma minoria é violenta e em que a ação da polícia é abusiva. Conclusão: eles atendem aos pedidos dos manifestantes. Que imparcialidade no tratamento dado às duas manifestações, não?
Editorial
NOTA
Os artigos publicados nessas páginas não têm fim polêmico, mas têm por escopo propiciar aos leitores um olhar objetivo e profundo sobre os assuntos tratados, a partir do exercício da legítima liberdade teológica acordada a certas matérias. É evidente que não há aqui qualquer pretensão de se substituir ao Magistério da Igreja, a quem cabe a palavra final em matéria de fé e moral, bem como nas matérias intimamente conexas com a fé e a moral.
É evidente, outrossim, que os trabalhos aqui expostos exprimem tão somente a opinião particular de seus autores e não engajam as instituições de que possam fazer parte.